Mirela Rosa da Cruz




     Mirela Rosa da Cruz, 21 anos, de Santa Maria, era estudante de pedagogia na UFSM.Estava no 4º semestre. Filha de Helena Rosa da Cruz e Delçon. Era irmã de José Manoel da Cruz ,18 anos que também morreu na tragédia. Ele estava no 2° semestre de Zootecnia na UFSM. Mirela colecionava títulos de beleza.


     Mirela começou tarde o dia 26 de janeiro de 2013, um sábado branco de sol em Santa Maria,ás vésperas da noite que começou e ainda não se foi.Ela dormira até depois do meio-dia e gastara as horas seguintes em mais uma gostosa tarde de verão dos seus 21 anos. Havia ido a boate Kiss na noite anterior, como fazia todo fim de semana, desde os 14 anos. Fora uma bela farra: Mirela chegara em casa com a alvorada, feliz da vida.No fim do dia, Mirela pediu a mãe, Helena Rosa da Cruz, que a levasse ao shopping para passear. Sempre vaidosa, queria um par novo de brincos para usar na festa daquela noite.

     Quando as duas voltaram para casa, José Manuel, irmão de Mirela, já havia saído.Planejava curtir a noite do sábado num churrasco com amigos.Enquanto se arrumava para a balada, Mirela dizia que estava cansada para sair.
     "Então, por que você vai, filha?", perguntou Helena."Ah, a aniversariante de hoje foi no meu aniversário. Não posso deixar de ir",disse Mirela, antes de partir.



     Pouco depois, o irmão ligou para casa e avisou a mãe: também iria para a Kiss. Helena foi dormir ao lado do marido, Delçon, por volta das 2h45, sabendo que os dois filhos estavam no mesmo lugar. Cuidariam um do outro, como sempre. "toda noite, antes de dormir, eu entrego meus filhos a Deus e peço que ele me devolva", disse Helena. Naquela madrugada, Helena fez o mesmo pedido.


     No momento em que Helena e Delçon adormeciam, o incêndio na Kiss aterrorizava os mais de 700 jovens que apinhavam a boate -a maioria guris, como se diz no Rio Grande do Sul, garotos e garotas entre 16 e 20 anos,estudantes da UFSM.

     Perto das 4 horas,tocou o telefone na casa de Helena. Era uma amiga dos irmãos Mirela e José Manuel."Tia, cadê a Mi?", perguntou a garota."Ela está na Kiss", afirmou Helena."Tia, corre para cá, a boate está pegando fogo." Helena gelou.Acordou o marido e correu com ele para a porta da boate. Chegando lá, encontrou a amiga dos filhos no meio da multidão.Perguntou por José Manuel. tinha esperança de que o filho tivesse desistido de ir e ficado na casa dos amigos. Ligou para José Manuel. Uma. Duas. Três. Quatro vezes. Ninguém atendia."Tia, eu vi ele lá dentro com a Mirela. Ele tava aí", disse a amiga.Olhando ao redor, vendo aquela multidão, Helena percebeu que seria impossível encontrar os filhos ali.Dividiu-se com o marido e um grupo de amigos dos filhos- e começou a busca pelos hospitais.


     No começo da tarde de domingo, Helena e Delçon ainda procuravam desesperadamente por Mirela e José Manuel. Foram a todos os hospitais, muitas vezes. Iam e vinham, iam e vinham – e nada. Os nomes não apareciam nas listas de feridos. Às 13 horas, o casal encaminhou-se ao ginásio Farrezão, onde repousavam os corpos das vítimas. Helena já sabia que teria de procurar pelos corpos dos filhos. Uma amiga que a acompanhava entrou na fila dos familiares que fariam o reconhecimento das vítimas. Helena ficou na sombra, desorientada. Quando chegou sua vez, ela se amparou na amiga – e entrou no ginásio. Os policiais chamavam de dez em dez nomes. Em seguida, os pais se identificavam para percorrer o ginásio e fazer o reconhecimento. Foi somente na quinta chamada que o nome José Manuel Rosa da Cruz foi lido. Disseram que ele era o corpo de número 58. Ela olhou, olhou de novo. “Não é o meu filho. Esse não é ele.” “Senhora, olhe as roupas, os sapatos.” “Não é o José Manuel.” Então, o policial pediu que ela visse mais corpos. José Manuel estava lá. Era o 62. Ele estava com botas Caterpillar, que pegara emprestadas do pai, e a camisa e a calça de amigos, já que não passara em casa para se trocar.


     Helena observava o corpo sem vida do filho quando, num passear de olhos, descobriu Mirela, ao longe. Também sem vida. “Ela estava de jaqueta vermelha”, diz Helena, relembrando dois dias depois o momento mais terrível de sua vida. Ela narra essa cena com serenidade. Vez ou outra, deixa escorrer uma lágrima. Não altera o tom de voz. A seu lado, Delçon não para de chorar, em absoluto silêncio. Depois de reconhecer os corpos, eles tiveram de esperar pelas certidões de óbito dos filhos. Havia fila. Havia fila também para conseguir caixões nas funerárias da cidade. Helena e Delçon não puderam escolher: tiveram de pagar pelos únicos caixões disponíveis. Helena foi então para casa, separar as roupas com que seus dois meninos seriam enterrados.
     Helena separou cuidadosamente as roupas com que vestiria, pela última vez, os dois filhos. Quanto a José Manuel, não havia muita dúvida. Ele fizera parte do grupo de danças típicas do clube. Foi vestido com todo o paramento: bombachas, camisa branca, guaiaca, lenço vermelho, botas e boina. Mirela, que fora rainha de Carnaval do clube e Miss Santa Maria aos 10 anos, adorava roupas com brilho. Helena escolheu um vestido branco com um bordado brilhante na gola, que a filha usara no Ano-Novo, e um sapato de salto altíssimo. Foi para o ginásio Farrezão e os vestiu. Os corpos foram levados à capela do Hospital de Caridade. Ao longo da noite, um grupo de evangélicos chegou e pediu para cantar uma música. Ela aceitou na hora. “Era linda a letra, falava coisas bonitas, apropriadas, pena que eu não me lembro.” Mais tarde, um padre passou para fazer uma oração, novamente bem-vinda. Helena é espírita e preferiu fazer uma vibração ela mesma antes de seguir para o enterro. “Eles foram filhos lindos. Ela, mais estourada; ele, mais tranquilo. Eram companheiros. Só peço a Deus que, na nossa passagem, eu e o Delçon tenhamos a chance de reencontrá-los.” Todos os presentes choraram muito enquanto Helena ainda teve força para agradecer a presença dos amigos e acrescentar: “Se eles foram pessoas tão maravilhosas e se eu estou aqui agora é porque vocês nos encheram de amor. Obrigada”.

     Em casa, na manhã seguinte, Helena lembra o enterro e pensa no impossível – no amanhã. “A metade do lanche que Mirela não comeu antes de ir à boate ainda está na geladeira. Todo mês de janeiro eles viajavam, iam para a praia. Neste ano, ficaram aqui porque a faculdade está em aula, por causa da greve. Eu e o Delçon decidimos fechar as portas dos quartos e fingir que eles estão viajando. Vai ficar assim até termos coragem.”
"Disseram que meu filho conseguiu sair, mas voltou para tentar resgatar a irmã. Não tenho dúvidas de que ela teria feito o mesmo."

Fonte: Época.
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Depois de sepultar os filhos, muitos pais preferem enterrar também a tragédia e postergar a longa despedida que vem pela frente - o desvencilhamento das roupas, dos objetos pessoais e das lembranças.
Três dias depois da morte da filha Mirela, 21 anos, Helena Rosa da Cruz ainda não teve coragem de jogar a metade do lanche que a jovem havia deixado na geladeira de casa antes de ir á boate Kiss.
  


   Atualização: 
  
Dona Helena Rosa faleceu em 2015.Homenagem a quem deu tanto Amor e Solidariedade a tantos outros pais e familiares. Helena Rosa
Levou consigo um pouco de cada um de nós. Essa homenagem representa os abraços e palavras de carinho que dela recebemos. Aqui, algumas fotos de alguns que representam a todos que tiveram esse privilégio.

Helena estava internada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) desde o dia 12 de julho de 2015, em decorrência de uma pneumonia. Ela era casada com Delçon Mossi da Cruz.
Ligiane Righi da Silva, que também é mãe de uma das vítimas da Kiss, lamenta a morte da amiga:
_Eu conheci a Helena depois da tragédia. Ela era uma pessoa muito espirituosa, batalhadora, guerreira...Sempre muito para cima, mesmo depois de ter perdido os dois filhos no incêndio. Ela foi uma lutadora, e agora acredito que esteja feliz, com os filhos ao lado.


Comentários

  1. Que Deus conforte os familiares!

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  2. Que tristeza mano , a Helena morreu 2015 recente antes da tragédia da boate 🥺🥺, que deus o tenha.

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