Jennefer Mendes Ferreira





     Jennefer Mendes Ferreira, 22 anos,natural de Santana do Livramento, cursava o 7º semestre de psicologia da Unifra.


O alarido de duas centenas de celulares ecoa durante toda a madrugada de 27 de janeiro.
Caídos no piso da boate incendiada, dentro do bolso das vítimas estiradas na Rua dos Andradas ou sobre os corpos enfileirados no ginásio municipal, os aparelhos vibram e gritam sem parar, implorando por serem atendidos. Nos visores piscam, de minuto a minuto, nomes como "Mãe", "Pai", "Mano", "Amor".
Entre os telefones que tocam está um Galaxy Y Pro Duos preto. Ele pertence a estudante de Psicologia Jennefer Mendes Ferreira.


Poucas horas antes, na noite do sábado, a jovem havia sido levada de carro pelo pai, Adherbal Alves Ferreira, 48 anos, até a Kiss. Na despedida diante da boate, combinaram que Jennefer telefonaria para casa por volta das 3h, para que o pai a buscasse e desse carona ás amigas Luana Behr Vianna, colega no 7° semestre da Unifra e Mariana Pereira Freitas, vizinha.



Por isso, quando Adherbal é despertado pouco antes das 4h pelo toque do telefone fixo, não se alarma. Apanha o aparelho convencido de que ouvirá a voz da filha na linha. Mas quem fala é uma amiga da garota:
_Tio, a Jennefer está em casa? Liguei para o celular dela e só ouvi um sussurro.
_Não, ela não está.
_É que houve um incêndio na boate - explica.
Adherbal acorda a mulher, Maria Elizabete Mendes Ferreira, 45 anos. Instantes depois, em outro ponto de Santa Maria, o visor Galaxy Y preto acende. Nele, começam a se alternar os nomes "Mãe" e "Pai vivoo".



O celular chama e chama, mas ninguém atende. Sua campainha mistura-se a uma cacofonia de dezenas de toques simultâneos, que tortura policiais, bombeiros, peritos, médicos e voluntários envolvidos no socorro ás vítimas. Quem tecla freneticamente são pais e mães angustiados, que anseiam pela paz de
uma ligação completada. Os profissionais sabem disso e não têm coragem de atender.
_Como dizer a família que o filho estava morto? - questiona o técnico de Enfermagem Lúcio Pano Toniolo, que trabalhou na etiquetagem dos corpos.
Apesar de Jennefer não ter atendido ás primeiras ligações, seus pais ainda não se desesperam. Ela tinha o hábito de negligenciar o celular. Na loja de móveis de escritório da família, onde trabalhava como gerente, costumava guardar o aparelho dentro da gaveta do caixa. Para contatá-la, os pais sabiam que era melhor tentar o telefone fixo. Mas agora não há essa possibilidade. Adherbal embarca no carro e corre para a Rua dos Andradas. Depara com homens quebrando paredes a marretadas.


Adherbal interrompe as ligações para o celular da filha e tecla o número de casa. Entre lágrimas, descreve a situação para a mulher. Depois, telefona para o filho, Jonathan Mendes Ferreira, 28 anos, que está com a namorada em São Pedro do Sul, a 60 quilômetros de distância. O rapaz pega a estrada para Santa Maria e soma-se ás tentativas infrutíferas de falar com o Galaxy Y que ele próprio dera á irmã, quando decidira trocar de aparelho.
Até o início da tarde, Adherbal, Maria Elizabete e Jonathan continuam a teclar os oito algarismos de Jennefer, enquanto parentes e amigos percorrem os hospitais da cidade e visitam o ginásio municipal — onde os celulares colocados sobre o peito das vítimas ainda bramem sem sossego. 
Então, às 14h34min do domingo escaldante, o telefone de Adherbal dispara. 

Ele toma o aparelho nas mãos e vê aparecer no visor a expressão "AAajennefervivo". Foi assim, com três "A" na frente, que havia registrado o nome da filha na agenda do celular, organizada em ordem alfabética, para que ela ficasse no topo da lista de contatos. 

A ligação que vem do telefone de Jennefer faz o coração do pai bater aos saltos.

— É ela! É ela! — anuncia ele.

O que escuta do outro lado da linha, de uma voz desconhecida, destroça o instante de esperança:

— Não fala, não fala, desliga isso aí.
A ligação é interrompida. Agoniado, Adherbal telefona de novo, mas o aparelho da filha voltou a silenciar. O pai insiste. São 52 chamadas feitas por ele desde a madrugada. Somando as 16 tentativas da mãe e do irmão e as 54 de duas amigas e do ex-namorado, as ligações para Jennefer já chegam a 122. 

Então, no meio da tarde, uma chamada do pai para o telefone da filha finalmente é atendida. 

Mas quem fala não é Jennefer, é a mãe de Luana, a amiga que a acompanhava na festa.

— A Jennefer não está aqui. É que o celular dela estava na mão da Luana — explica a mulher.

— E como está a Luana? — quis saber Adherbal.

— A Luana morreu.
O homem desaba. Não há mais onde se agarrar ou com que se iludir. No final da tarde, Jonathan reconheceria o corpo de Jennefer no ginásio.

No velório, Adherbal recebe da mãe de Luana o silente Galaxy Y preto. Conserva-o no bolso da calça até o sepultamento, na segunda-feira. Depois, segue para casa, tomada pelos 17 gatos e três cachorros que eram a paixão da filha. Entra no quarto dela e guarda o aparelho na mesa de cabeceira.




Dias depois, atrás de respostas sobre a morte da filha, volta ao aposento. Na gaveta, sob o móvel onde guardara o celular, encontra a Bíblia que Jennefer ganhara na crisma. Nota que há uma folha de papel marcando uma das páginas. Abre o volume e depara com o Salmo 31. Um asterisco feito por Jennefer assinala a frase "Em tuas mãos entrego o meu espírito". 

Em seguida, Adherbal desdobra a folha de papel e encontra a caligrafia da filha, rabiscada a caneta vermelha. Trata-se de uma espécie de carta, de testamento, sem data ou destinatário definido, na qual ela celebra tudo o que lhe foi dado em sua curta vida:




"Agradeço por:

Ter tido as melhores notas, dedicação e reconhecimento na facul

Por ter conseguido cumprir com minhas responsabilidades

Por ter tido coragem de voltar a estudar 

Pelo apoio da família

Eu ter me tornado uma pessoa mais responsável

Por ter conhecido pessoas legais

Eu ter passado na autoescola 

Eu ter ganhado meu quarto, e coisas materiais que eu queria

Por eu ter emagrecido

Eu ter meus bichinhos que eu amo tanto

Por ter pessoas que como eu gostam de bichos

Por eu ter pessoas que amo em minha volta

Por ter pessoas que tem paciência comigo

Por eu estar com a unha comprida e cabelo bonito

Por gostar de várias coisas legais

Por eu ter minhas avós que amo muito...

Eu ser engraçada, legal, divertida

Por eu ter amiga de verdade

Por eu ter conseguido o desconto na Unifra

Por eu ter conforto, roupa que eu gosto

Por ter tudo o que tenho 

PELA FAMÍLIA QUE NASCI, pois a amo

Por a mãe não estar com problema sério de saúde

Por ter dado tudo certo com a cirurgia do pai
".


     Cada Família tenta de alguma forma superar a dor por ter perdido um ente querido no incêndio da boate Kiss.
     Aderbal Ferreira mantém o quarto da filha Jennefer, como uma espécie de santuário, para ele uma maneira de matar a saudade.



     _Eu não sei explicar que tipo de relação eu e minha filha tínhamos, mas éramos muito ligados. Ela era eu de calça e sou ela de vestido.Sempre fomos muito unidos.



      Ele e a mulher passam sempre uma parte do dia no quarto que era da jovem. Jennefer era gerente da loja da família e cuidava da parte administrativa.Os pais afirmar que entram no quarto para realizar orações e sentir um pouco da presença da filha.










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